Relato de caso: Pré-natal, cirurgia de cesariana e manejo de neonato prematuro na espécie Macaca mulatta (Zimmermann, 1780)

Autores

  • Rayane do Nascimento Santa Rita
  • Alessandra Santos Feijó da Silva Souza
  • Milena Bezerra de Souza
  • Gabriel de Moraes Leal
  • Lynn Barwick Cysne
  • Rosana de Oliveira Uhl
  • Tatiana Kugelmeier

DOI:

https://doi.org/10.55592/azab.v1i1.7969

Palavras-chave:

Biomodelo, Macaco rhesus, Neonatologia assistida, Obstetrícia

Resumo

Resumo  O período neonatal é marcado por altas taxas de mortalidade, principalmente em prematuros. Este resumo relata o caso de uma fêmea gestante da espécie Macaca mulatta com histórico de prolapso genital. Após a detecção gestacional e constatação de risco fetal, um protocolo foi instituído para a monitoração pré-natal e cesariana. Ao nascer, o feto, prematuro, foi imediatamente monitorado pelo escore de apgar modificado. Houve um episódio de reanimação neonatal. Após a estabilização, iniciou-se o protocolo de aleitamento e neonatologia assistida, seguiu sem intercorrências. O acompanhamento pré-natal e planejamento resultou no sucesso deste caso. Palavras-chave: Biomodelo. Macaco rhesus. Neonatologia assistida. Obstetrícia. Introdução A colônia de macacos rhesus (Macaca mulatta) do Serviço de Criação de Primatas não Humanos (SCPrim) do Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos (ICTB) é mantida em sistema de acasalamento multimachos – multifêmeas, em recintos sob condições ambientais naturais. Em criatórios científicos de primatas não humanos (PNH) com a reprodução ocorrendo de forma ativa, frequentemente são observados problemas reprodutivos que podem estar relacionados a infecções uterinas, partos prematuros, rejeição materna, inexperiência de fêmeas primíparas e anormalidades congênitas, sendo necessário a intervenção da equipe (LOPES et al., 2017). O período neonatal é marcado por altas taxas de mortalidade devido a imaturidade fisiológica e imunológica dos indivíduos (SOUZA et al., 2017), principalmente para àqueles com baixo peso ao nascer ou prematuros, classificados como alto risco (DETTMER et al., 2007). Segundo Lopes e colaboradores (2017) mais de 50% dos óbitos neonatais em uma criação de PNH ocorrem no primeiro e segundo dia de vida, destacando a importância do pronto atendimento, especialmente para os filhotes de alto risco que precisam de cuidados especiais para aumentar as chances de sobrevivência.  Objetivos Relatar o acompanhamento gestacional, com intervenção através de cesariana e manejo de um neonato prematuro da espécie Macaca mulatta no SCPrim. Metodologia Uma fêmea da espécie Macaca mulatta de 14 anos de idade, multípara, apresentou prolapso genital no segundo terço de gestação, com aproximadamente 98 dias. O acompanhamento pré-natal foi realizado através de exame físico e ultrassonografia abdominal. Ao exame, não foram observadas alterações na estrutura e frequência cardíaca do feto. A idade gestacional foi estimada a partir da média do diâmetro biparietal (DBP) obtida após a realização de três medidas. Após os exames, procedeu-se para a correção do prolapso, com antissepsia e reposicionamento das estruturas.  No entanto, a recidiva do prolapso aconteceu algumas semanas depois. Devido à natureza selvagem desta espécie e a condição gestacional, evitou-se ao máximo a captura para procedimentos. Deste modo, os veterinários optaram por observar a fêmea diariamente, caso fosse constatado algum sinal clínico adicional que necessitasse intervenção imediata. Com o passar dos dias, foi observado que o prolapso aumentava de tamanho e constatou-se perda de líquido através da vulva. Assim, uma nova ultrassonografia foi realizada, onde foi constatada a diminuição da quantidade de líquido amniótico, contudo normocardia fetal e idade gestacional próxima a 118 dias. Nesse momento, considerando que a fêmea já estava no último terço da gestação, que dura, em média, entre 165 e 170 dias, a equipe veterinária optou por programar a cesariana, a fim de garantir um melhor desfecho da gestação, tanto para mãe, quanto para o filhote.  A cesariana foi programada para quando o feto tivesse aproximadamente 133 dias e foi estabelecido um protocolo pré-cirúrgico para diminuir o risco de infecção e aumentar a chance de sobrevivência do filhote. Três dias antes da cirurgia, a fêmea foi separada do grupo social, e iniciou-se o protocolo de antibioticoterapia (amoxicilina triidratada, 15 mg/kg, a cada 48h) e de dexametasona para amadurecimento pulmonar fetal (0,5mg/kg, BID, por 2 dias). A cirurgia foi realizada com o protocolo de medicação pré-anestésica (cetamina 8 mg/kg e midazolam 0,1 mg/kg), indução anestésica (propofol 2 mg/kg) e manutenção (isoflurano CAM de 1,0 a 1,8 %). Somente após a incisão do músculo reto abdominal foi adicionado 0,5 mcg/kg/h de fentanil para conferir a analgesia transcirúrgica, para diminuir o efeito na hemodinâmica e na depressão do feto. Entre 4 e 5 minutos foi o tempo gasto deste momento até o pinçamento do cordão umbilical. Após a retirada do filhote, procedeu-se com a rafia do útero, inspeção da cavidade abdominal e rafia da parede abdominal, tecido subcutâneo e pele.   No momento da retirada do feto, dois membros da equipe estavam responsáveis pelos cuidados neonatais iniciais. O neonato nasceu com escore de apgar modificado em 1 minuto de 4 pontos (frequência cardíaca 128 bpm e respiratória gt;15 movimentos/min), porém sofreu uma parada cardiorrespiratória e iniciou-se o protocolo de reanimação neonatal. O feto foi mantido com a máscara de oxigênio (2 L/h) durante todo o procedimento. Depois do primeiro ciclo de reanimação (60 segundos), foi administrado doxapram (20mg/mL na dose 0,1mL/100 gramas de peso) sublingual e, imediatamente, foi realizado outro ciclo de reanimação com a administração de naloxona (0,01mg/kg) sublingual, por se tratar de um fármaco antagonista dos receptores opioides e auxiliar na reversão do efeito do fentanil, administrado no transcirúrgico. Logo após a administração, houve detecção dos batimentos cardíacos e o filhote foi estabilizado, sendo possível realizar os procedimentos de cura do umbigo.  O recém-nascido de 295g, foi então levado para a incubadora e continuou com oxigenação a 100%, e monitoramento contínuo da frequência cardíaca e oximetria. Aproximadamente uma a duas horas depois do seu nascimento, foi iniciado o protocolo de aleitamento artificial com o primeiro fluido administrado sendo composto por uma solução de glicose a 5% (cerca de 0,2mL a cada 40 minutos). Nas primeiras 24 horas a frequência de alimentação foi de 1 em 1 hora com uso de uma seringa de 1 mL, iniciando com a solução de glicose a 5% (0,2 a 0,3 mL) e, gradativamente, entrando na proporção 1:1 com a fórmula (Nan Comfor® 1), até que foi retirado totalmente a glicose 5%, restando apenas a fórmula, sendo oferecido cerca de 1,5 mL de leite. O filhote permaneceu estável nas primeiras 24 horas de vida, sendo monitorado através de sua frequência cardíaca e oximetria. Manteve bom reflexo de sucção e aceitou bem a fórmula infantil. Durante o período descrito, não houve intercorrências no pós-cirúrgico com a mãe. Todos os procedimentos descritos estavam em conformidade com as normas da Comissão de Ética para o Cuidado e Uso de Animais Experimentais da FIOCRUZ (LW-19/23). Resultados e discussão O prolapso genital é uma condição comum em PNH, frequentemente observado na parede posterior da região vaginal. Li et al. (2023) propuseram uma classificação para descrever a gravidade desse fenômeno, sendo considerado severo quando afeta significativamente a anatomia do animal. Essa classificação se assemelha ao caso da fêmea relatada no presente trabalho, que no segundo terço da gestação apresentou um prolapso genital que poderia complicar o parto natural, exigindo uma intervenção cirúrgica como a cesariana (COURTNEY, 2013). O uso de corticosteroides no período pré-natal é uma prática fundamental para reduzir a incidência da síndrome do desconforto respiratório e a mortalidade neonatal associada ao parto prematuro. Nas condições em que a cirurgia foi programada, o protocolo terapêutico se fez essencial para auxiliar a respiração do feto prematuro, por isso buscou-se minimizar a exposição fetal ao fármaco, garantindo ao mesmo tempo uma maturação pulmonar adequada (SCHMIDT et al., 2018). Alguns protocolos anestésicos administrados durante a cesariana podem afetar a respiração neonatal, exigindo medidas de reanimação. Pereira e Lourenço (2022) descreveram procedimentos de reanimação neonatal em cães e gatos que foram adaptados e utilizados no presente trabalho. A classificação com base no escore de apgar desenvolvido para símios descrito por Saucedo e Morales (2012) foi utilizada e o neonato em 1 minuto de nascimento foi considerado moderadamente deprimido. O filhote prematuro nasceu com 295g, o peso normal de um neonato a termo é de 390g a 550g (PRICE; ANVER; GARCIA, 1972). De acordo com Ruppenthal e Sackett (2006) neonatos abaixo de 320g são considerados de alto risco.  O protocolo de aleitamento artificial deve ser rigorosamente seguido, com intervalos frequentes para evitar desidratação e hipoglicemia. A administração inicial de solução de glicose a 5% é recomendada para neonatos de PNH, visando habituação ao aleitamento artificial e prevenção de hipoglicemia (Ruppenthal amp; Sackett, 2006).  Conclusão O presente trabalho reforça a importância de uma intervenção programada e, quando realizada no momento certo, pode salvar a vida tanto do neonato como da mãe, diminuindo as taxas de mortalidade neonatal. Enfatiza, ainda, a necessidade de realizar o acompanhamento gestacional para detectar alterações de forma precoce aumentando as chances de sucesso nas intervenções. Referências COURTNEY, A. Gestational concerns: when to intervene and what to do. Em: COURTNEY, A. (Ed.). Pocket Handbook of Nonhuman Primate Clinical Medicine. 1st. ed. New York: CRC Press, 2013. p. 163–168.  DETTMER, A. M. et al. Growth and developmental outcomes of three high-risk infant rhesus macaques (Macaca mulatta). American Journal of Primatology, v. 69, n. 5, p. 503–518, 2007. LI, Y. et al. A comprehensive evaluation of spontaneous pelvic organ prolapse in rhesus macaques as an ideal model for the study of human pelvic organ prolapse. Science Bulletin, v. 68, p. 2434-2447. 2023.  LOPES, C. A. de A. et al. Estudo retrospectivo de cuidados neonatais de macacos rhesus mantidos em um criatório científico: casuística acompanhada, manejo e reintrodução ao grupo social. Revista da Sociedade Brasileira em Ciência de Animais de Laboratório, v. 5, n. 2, p. 116–126, 2017. PEREIRA, K. H. N. P.; LOURENÇO, M. L. G. Reanimação neonatal de cães e gatos ao nascimento. Revista Brasileira de Reprodução Animal, v. 46, n. 1, p. 3-16. 2022.  PRICE, R. A.; ANVER, M. R.; GARCIA, F. G. Simian Neonatology I. Gestational Maturity and Extrauterine Viability. Veterinary Pathology, v. 9, p. 301–309, 1972.  RUPPENTHAL, G. C.; SACKETT, G. P. Nursery care of at-risk nonhuman primates. In: SACKETT, G. P.; RUPPENTHAL, G.; ELIAS, K. (Ed.). Nursery Rearing of Nonhuman Primates in the 21st Century. New York: Springer Science amp; Business Media, 2006. p. 602.  SCHMIDT, A. F. et al. Dosing and formulation of antenatal corticosteroids for fetal lung maturation and gene expression in rhesus macaques. Nature scientific reports, v. 9, n. 9039, p. 1-10. 2019.  SOUZA, T. D. et al. Mortalidade fetal e neonatal canina: etiologia e diagnóstico. Revista Brasileira de Reprodução Animal, v. 41, n. 2, p. 639–649, 2017. Disponível em: lt;www.cbra.org.brgt;.

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Publicado

2024-11-22